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Crescem apelos pela abertura de arquivos

Domingo, 06/02/2011, 03h19


No discurso de posse, a presidenta Dilma Rousseff lembrou o passado de combate à ditadura militar, os companheiros mortos, mas destacou que não guardava rancores. Mas é cada vez mais crescente o apelo de entidades civis para que sejam abertos em sua totalidade os arquivos da ditadura. A Comissão da Memória e da Verdade ainda espera por uma definição efetiva da nova mandatária do País. Em dezembro o Brasil foi condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA) por causa das perseguições, mortes e desaparecimentos forçados de cerca de 70 pessoas durante a Guerrilha do Araguaia.

Mas nem só familiares de guerrilheiros ou militantes de esquerda esperam por reparações de injustiças referentes ao período da ditadura militar. Soldados que participaram das ações também reivindicam seu quinhão em termos de indenização, promoções retroativas ou pensões. É o caso do sargento João da Santa Cruz Sarmento, que participou das primeiras ações contra a guerrilha em Marabá e foi um dos últimos a sair da região no fim dos conflitos - mas que ao final foi perseguido e preso por Sebastião Curió, sob a acusação, nunca provada, de que estaria vendendo terras a colonos. Por conta disso, deu baixa no Exército sem ter obtido as promoções a que teria direito se permanecesse normalmente nas Forças Armadas.

Santa Cruz mora atualmente em um pequeno sítio no município de Santo Antônio do Tauá. “Vamos enviar uma correspondência ao ministro da Justiça, para que o caso dele seja revisto”, diz Paulo Fonteles Filho, membro do grupo de trabalho que investiga a existência de ossadas de guerrilheiros na região do Araguaia. A história de Santa Cruz é um pedaço pouco contado dos conflitos no Araguaia. O relato de soldados que participaram das ações ainda é feito de forma tímida, muitas vezes por receio de possíveis represálias de militares da velha guarda -os mais resistentes à ideia de que se abram os arquivos do período ditatorial.

A MISSÃO

A primeira vez que Santa Cruz embarcou para a região do conflito foi no dia 3 de abril de 1972. Três anos antes participara da turma militar brasileira que fez no Panamá o curso de operação na selva que originou o Batalhão da Selva de Manaus. Obteve o segundo lugar no curso criado pelos norte-americanos. Santa Cruz lembra bem da convocação.

“Ninguém sabia nada da guerrilha. Lembro que eram 16 horas quando o comandante me chamou, dizendo para eu ir pra casa, que de manhã teria uma missão. Fui aconselhado a me apresentar à paisana e com umas mudas de roupa”. Foi só em Marabá que os soldados souberam qual era, afinal, a missão. “Uma equipe foi para São Domingos do Araguaia, outra para Palestina”, conta. A equipe de Santa Cruz foi enviada para um local chamado de 72, ponto de passagem dos ‘paulistas’, como eram chamados os guerrilheiros pela população local.

“Chegamos como se fôssemos compradores de terra. Começamos o trabalho de coleta de informações, levantando a vida dos paulistas”. Foi nessa situação que Santa Cruz teve o primeiro contato com os guerrilheiros. Dizendo que eram compradores de terra, os soldados utilizaram um guia que os levou ao ‘Chega com Jeito’, local onde os guerrilheiros se encontravam. Acabaram encontrando com três guerrilheiros: Ari, Dina e Piauí. Pediram informações e seguiram adiante. “De manhã fizemos um mapa do local, voltamos e entregamos o relatório”.

Foi o primeiro passo para os futuros confrontos, que iriam se intensificar a partir de 1973. Santa Cruz era considerado um especialista em localização e por diversas vezes sobrevoou o local, orientando os pontos já identificados por terra. Em 1972, as primeiras operações foram fracassadas, mas os militares se reorganizaram, fizeram um extenso trabalho de espionagem e em 1973 voltaram à região. Dessa vez dispostos a tudo. “Foi quando o pau quebrou”, lembra Santa Cruz.

“Nossa missão era prender, matar ou morrer”, lembra o soldado. Mas ele diz que, depois de presos, os guerrilheiros eram entregues aos ‘doutores’, ou seja, os agentes do DOPS, especializados em torturas. Santa Cruz diz que Romeu Tuma foi um deles. Santa Cruz chegou a escoltar presos, Piauí e Doca. “Nunca trisquei num deles. Depois que eles eram presos, eram levados para a Casa Azul. Não sabíamos nada”, diz ele. Casa Azul era uma sede do DNER adaptada para que os agentes pudessem interrogar os guerrilheiros presos. “Estamos cada vez mais convencidos que os grandes responsáveis pelas torturas e execução dos guerrilheiros são os agentes do DOPS”, diz Paulo Fonteles Filho.

Ao fim dos conflitos, Santa Cruz recebeu a missão do major Curió de permanecer em Marabá, para supervisionar localidades como São Domingos, São Geraldo, Palestina, Santana do Araguaia. “Fiquei até 1984. O Curió disse: ‘tu vai tomar conta da área’. Era para ver se ainda tinha algum foco de guerrilha. O Curió vinha uma vez por mês. Eu fazia o relatório e entregava a ele”.

Foi esse envolvimento que ocasionou a queda de Santa Cruz. Segundo ele, o Exército havia prometido 20 alqueires de terra aos guias. Não cumpriram o acordo e os guias cobraram a dívida a Santa Cruz. “O Curió me acusou de estar me envolvendo em venda de terras. Minha casa foi cercada de soldados, me levaram para o quartel e me trancaram incomunicável numa sala”. Santa Cruz passou alguns dias preso. Nunca entendeu o motivo. “Nunca peguei um tostão de ninguém. Senti muita vergonha por tudo o que passei. Por isso pedi para ir pra reserva, depois de 45 anos de serviços prestados. Fizeram uma injustiça comigo e nunca houve reparação para isso”. (Diário do Pará)
 


http://diariodopara.diarioonline.com.br/N-126754-CRESCEM+APELOS+PELA+ABERTURA+DE+ARQUIVOS.html

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